sobre
A Montanha Mágica [Der Zauberberg] 1924
do
escritor alemão Thomas Mann [1875-1955]
Um
duelo de ideias e ideologias nas alturas
parte 3
Continuamos com as 'operações
espirituais' [operationes spirituales] onde saberemos mais sobre o
professor de origem judaica que se converteu ao catolicismo ao aderir
a ordem dos jesuítas. Leo [Leib] Naphta fala sobre seu pai Eliah, um
schochet, ou açougueiro ritual, que segue os preceitos do
Talmude. A ideia de devoção, de ritualismo, sempre esteve na
infância de Naphta, em sua aldeia lá na Galícia [na Europa
central, hoje entre a Polônia e a Ucrânia], onde seu pai era
rigoroso na tradição. Tanto que a insatisfação popular contra os
judeus, numa acesso de fúria, ou pogrom, martirizaram Eliah
Naphta, o açougueiro de 'olhos estelares'.
Leib, ou Leo, é educado no ensino
rabínico, no hebraico e nas línguas clássicas, a mostrar dons
intelectuais bem elevados. Daí surgiram divergências, muitas
críticas, e logo insubmissão. Contatos com o socialismo e a crítica
social. Logo, Leib é renegado e expulso por seu mestre rabino. Então
com dezesseis anos, Leo trava conhecimento com o padre
Unterpertinger, um jesuíta, hábil pedagogo, num banco de parque.
Eles falam sobre teologia, Marx, Hegel, sendo que este último,
apesar de ser 'oficialmente' um protestante, tem uma filosofia de tom
católico, para o jovem Naphta, algo operante, de produzir efeitos
exteriores, uma política psicologicamente ligada ao catolicismo.
E para Naphta no jesuitismo torna-se
clara a natureza política e pedagógica do catolicismo. Para ele o
tom católico é de objetivismo, de uma doutrina de ação. Até o
protestante Goethe mostra-se 'quase jesuíta' no seu papel de
educador. Assim, Naphta é convidado pelo jesuíta para visitá-lo no
Instituto Stella Matutina. O narrador ressalta as contradições da
personagem, um revolucionário com jeito aristocrático, com
propostas socialistas, mas ambições elitistas. [Interessante
lembrar que o revolucionário bolchevista, depois sangrento ditador,
Joseph Stálin foi seminarista, e igualmente expulso.] Naphta prefere
ver a religião organizada - aqui o Catolicismo - como uma 'potência
espiritual', contrária às ambições mundanas, logo assim
'revolucionária'.
Naphta considera o judaísmo mais
próximo do catolicismo do que do protestantismo, daí ser mais fácil
um judeu converter ao papismo que ao subjetivismo luterano. E Naphta,
o jovem desamparado e ambicioso, busca essa conversão, por instinto,
entrega-se a um misto de disciplina e elegãncia, cultura e
espiritualidade, zelo e discrição. Seu desejo é pertencer a Ordem
com suas 'operações espirituais', suas ponderações e
introspecções. Mas ele não quer contemplação, mas
auto-superação, sacrifício, abnegação. Mas, aos vinte e três
anos, a doença pulmonar de Naphta se manifesta e ele não pode
prosseguir em sua carreira no subdiaconato. Daí sua internação em
Davos, estando ali cerca de uns cinco anos.
mais sobre a figura contraditória e
cruel de Iossif Stálin
em
http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/stalin_uma_lenda_fabricada_sob_medida.html
Hans Castorp, ao saber da vida de Leo
Naphta, suas batalhas contra a sociedade e a doença, associa três
pilares que aproximam as ordens militar e jesuíta, a saber, o
ascetismo, a hierarquia e a disciplina. Pois, para Hans, os jesuítas
nada mais são que uma ordem militar religiosa, onde alunos
obedientes seguem uma hierarquia, onde são 'oficiais ambiciosos',
cuja intenção é distinguir em serviço. E a luta para a vinda da
'Cidade de Deus' necessita de um 'cosmopolitismo cristão' além de
todo patriotismo, e de um ascetismo além de família e do apego à
saúde. Tais censuras atingem diretamente a pedagogia humanista de
Settembrini.
Num passeio na neve, os febris
interlocutores discorrem sobre a morte recente de outra habitante da
'montanha mágica', e Hans çamenta não ter sido avisado a tempo de
comparecer aos funerais, assim ele dedica 'palavras à sua memória'
e defende a 'reverência cristã' diante do infortúnio. Surge aí um
estopim para o debate entre a caridade religiosa de Naphta e a
caridade humanitária de Settembrini. Para o ex-seminarista o
importante de haver pobreza é estimular a caridade - e uma reforma
social teria privado os afortunados de darem esmolas !
Então Settembrini, febrilmente,
discorda de tal ideia, tudo referente a sagrado, ou reverência, tudo
'engano psicológico', viver de compaixão, conviver com o sofrimento
alheio, medo de cair em desgraça. O italiano insiste que não faz
sentido uma dignificação do enfermo, devido a sua enfermidade, pois
a doença traz apenas vergonha, causada pela debilidade do corpo. A
mente não é sã num corpo insano, daí a loucura, que é ocultada
[ao se esconder dementes em hospícios].
Diverso de Settembrini, o religioso
aceita a miséria do corpo, o sofrimento que deve levar à expiação,
pois sofrer lembra-nos nossa condição decaída. A beleza, o culto
estético, é uma ofensa à consciência. É aceitável mortificar o
corpo para glorificar a alma. Naphta aceita a violência, enquanto
disciplina, que é desprezada por Settembrini, contra o castigo
corporal, seja em nome da pedagogia ou da justiça. Naphta defende a
flagelação, o sofrimento, e acha que são os prazeres que
enfraquecem a alma em sua elevação espiritual. Para Settembrini, no
açoite só há indignidade e humilhação. Novamente a discordar do
italiano, o judeu-jesuíta lembra que a dignidade, a qual se refere o
pedagogo, é aquela que surgiu do individualismo da era liberal
burguesa, quando se precisa de mais disciplina e obediência.
Ainda no assunto morte, o pedagogo
prefere a cremação dos cadáveres, e o esvaziamento dos cemitérios,
ambiente pouco higiênicos, mantidos apenas por um 'caráter
sagrado'. É lugar de luto e morbidez. Mas o jesuíta insiste que sem
o culto da morte "não haveria arquitetura, nem pintura, nem
escultura, nem música, nem poesia." E Settembrini prefere a
estética da vida, a dignidade da arte, não as experiências que
sobrecarregam a morte, um mero fenômeno fisiológico. Terrível
mesmo é a morte sob torturas - vide a Santa Inquisição... Naphta
defende que não havia condenação sem confissão, e que a 'alma
obstinada' sofria tortura no corpo como modo legítimo de confissão.
Settembrini não aceita a violência para obrigar a uma confissão,
como se fosse um 'serviço caridoso' de expiar pelo tormento. O
italiano é contrário à pena de morte, um homicídio legalizado,
onde o Estado se atribui o uso da violência.
Naphta não está preocupado com os
direitos humanos, com a preservação do indivíduo, pois sua crença
é numa coletivismo devocional, suprapessoal, universal [daí
católico, do grego καθολικός , 'katholikos'],
onde uma vida pode ser sacrificada em nome de algo superior, uma
crença, e o culpado deve ser disciplinado, visto que o assassino não
deve sobreviver à vítima. O importante é a fé, a reverência, o
olhar na infinitude, não se levar por promessas de progresso do
mundo burguês, de moralidade aparente e efêmera. Mas Settembrini
defende que o indivíduo digno ergue críticas a um coletivismo
'absorvente e nivelador'. Contudo, Naphta acha que a moralidade
burguesa é pragmática para alcançar os interesses de satisfação,
numa ética meramente de caráter burguês (aqui o aristocrata em
Naphta tem um tom de desprezo...). Settembrini não vê vantagens em
títulos e hierarquias, mas na distinção do indíviduo digno,
"digno de viver e digno de amor".
Quanto a temática doença, Naphta
acha que a condição humana é enferma, que se progresso existe é
em aprender com a doença. E que os sadios vivem de descobertas e
conquistas feitas pelos enfermiços. E Cristo já dizia que os sãos
não precisam de médicos, que a graça vem para os que necessitam de
saúde. A enfermidade e a morte trazem a meditação sobre a
finitude, portanto são nobres. O viver a vida pela vida é
futilidade. No mundo burguẽs importa os interesses individuais, não
o transcendental, enquanto o ensino jesuíta vem a favor do ascetismo
e do desprezo do Eu. Como defender a dignidade crítica?
De um lado temos a busca do
conhecimento e o método de pensamento, a valorização do humano e
da vida utilitária, de outro a espera da Revelação Divina, a
ascensão ao Transcendental, a pregação da austeridade, e a vida
abnegada e disciplinada. Cada pregador tem suas virtudes e 'pecados',
suas ambiguidades e contradições - que tanto o narrador quanto Hans
percebem bem. Settembrini é modesto, livre sexualmente, puritano
intelectualmente; enquanto Naphta é um puritano sexualmente, e um
herege ideologicamente. O comunista cristão num aposento de luxo
enquanto o humanista liberal vive num mísero cubículo, debaixo de
um telhado. Onde a posição de coerência, de conciliação?
Certamente não seria a 'coletividade niveladora' nem o
'individualismo burguês'. Tantos conceitos e ideologias apenas
causam a confusão de valores, o declínio da ordem moral, nossa
crise da modernidade.
Eis a chegada do inverno, com o mundo
das alturas envolto em neve, um frio glacial a entorpecer a paisagem.
Hans, no seu 'hábito de não se habituar', insiste em seus passeios
pela montanha, agora devidamente equipado com seus esquis. E o jovem
recebe o apoio do pedagogo, pois Hans não deve se deixar abater pela
doença. Mesmo um moço civilizado, filho da planície apressada e
ambiciosa, Castorp se simpatiza com os elementos naturais, onde
encontra solidão - e certa angústia no isolamento e no silêncio. O
que o espera além de uma 'solidão cheia de aventuras'?
Hans admira o mundo da neve, sua
presença, sua dança, sua arquitetura minúscula, que pode ser tão
belo e tão hostil a vida. A natureza pode ser bela e ameaçadora -
ainda mais nos ambientes extremos como aqueles de selva, de deserto
ou de desolação gélida. Assim, de repente, a dança dos flocos de
neves se acelera, se adensa, e eis a nevasca a surpreender o jovem,
que se vê em 'trevas brancas', num atitude de desafio, quando
excitado e cansado, admirado e revoltado com a fúria dos golpes de
neve. [Lembramos dos contos do norte-americano Jack London
(1876-1916) na fúria gélida do Alasca, onde qualquer descuido ou
erro humano pode ser fatal num ambiente hostil - lá o ser humano se
potencializa e se supera, caso contrário sua perdição é
imediata...]
Hans encontra-se realmente perdido na
neve, em círculos, em esforço constante e inútil, e passa a sofrer
devaneios e delírios, como num caleidoscópio de fatos já vividos,
em sonhos e pesadelos, a visualizar um paraíso às margens do mar do
Sul, o mediterrâneo, com um belo templo, onde ocorrem abominações.
[Assim lembramos do delírio de agonia do escritor-póstumo Brás
Cubas, em Memórias
Póstumas, a obra-prima do
brasileiro Machado de Assis (1839-1908), que galopa num hipopótamo,
rumo ao encontro com a figura da Natureza, que tudo absorve, sem
clemência.] No sonho-pesadelo de Hans, ele encontra a 'Grande Alma',
da qual ele é mera partícula, fagulha de vida num mundo de doença
e morte.
Não apenas Hans, mas o ser humano, é
'filho enfermiço da vida', de modo que qualquer teoria ou ideologia
se perde em garbosa retórica, assim como a medicina usa um latim
pomposo para se referir às fisiologias e às enfermidades. Hans
resolve não aderir nem à devoção de Naphta nem ao moralismo
liberal de Settembrini, mas viver longe de oposições, de extremos,
mas a decidir, em respeito a si mesmo. Não só a coletividade
mística nem o individualismo sem rumos. O ser humano deve se erguer
acima de suas condições, ser mais nobre que suas misérias, a
fundamentar sua liberdade a partir de suas limitações. Diante da
morte - mesmo um grande poder - deve se valorizar a vida, através do
amor, não só da razão. Não devemos dar espaço para pensamento de
morte.
Não concederei à morte nenhum
domínio sobre meus pensamentos. Pois se mantém a bondade e a
caridade, e em nada mais. A morte é um grande poder. Tira-se o
chapéu e se anda nas pontas dos pés em sua presença. [...] Amor e
morte - eis uma rima ruim, uma rima falsa e ultrajante! O amor
permanece no caminho da morte, apenas ele, não a razão, é mais
forte que ela. Apenas ele, não a razão, concede bons pensamentos.
Também forma é apenas a partir do amor e da bondade: forma e
comportamento civilizado de uma comunidade fraterna e sensível e
correto estado humano - na calma visão diante de um repasto sangrento. Oh,
assim está claramente sonhado e bem regido! Eu quero pensar nisso.
Eu quero à morte manter lealdade em meu coração, mas bem me
lembrar que lealdade entre a morte e o passado é apenas maldade
e sombria volúpia e hostilidade, a dominar ela o nosso pensamento e
governo. O ser humano, pela bondade e pelo amor, não deve
conceder à morte qualquer domínio sobre seu pensamento. [pp.
661-662]
[Ich will dem Tode keine Herrschaft
einräumen über meine Gedanken! Denn darin besteht die Güte und
Menschenliebe, und in nichts anderem. Der Tod ist eine große Macht.
Man nimmt den Hut ab und wiegt sich vorwärts auf Zehenspitzen in
seiner Nähe. [...] Tod und Liebe, – das ist ein schlechter
Reim, ein abgeschmackter, ein falscher Reim! Die Liebe steht dem Tode
entgegen, nur sie, nicht die Vernunft, ist stärker als er. Nur sie,
nicht die Vernunft, gibt gütige Gedanken. Auch Form ist nur aus
Liebe und Güte: Form und Gesittung verständig-freundlicher
Gemeinschaft und schönen Menschenstaats – in stillem Hinblick
auf das Blutmahl. Oh, so ist es deutlich geträumt und gut regiert!
Ich will dran denken. Ich will dem Tode Treue halten in meinem
Herzen, doch mich hell erinnern, daß Treue zum Tode und Gewesenen
nur Bosheit und finstere Wollust und Menschenfeindschaft ist,
bestimmt sie unser Denken und Regieren. Der
Mensch soll um der Güte und Liebe willen dem Tode keine Herrschaft
einräumen über seine Gedanken.]
Reunindo suas forças, Hans começa
seu regresso, donde segue até a aldeia, onde se reencontra com o Sr.
Settembrini, a quem narra suas aventuras na neve, e depois volta ao
repouso do sanatório.
As mudanças na vida de Hans na
'montanha mágica' são motivadas principalmente pelo retorno de seu
primo Joachim, acompanhado pela mãe, após manobras do exército lá
na 'planície'. Parece que o estado de saúde de Joachim se agravou
devido aos exercícios militares e ele deve ser novamente habituado
ao regime comer e repousar lá no sanatório. Agora é Hans que o
recebe fraternalmente. Joachim precisa aderir novamente à rotina dos
comensais, aquelas conversas de civis, enquanto mantém sua discrição
e boa educação. Seu formalismo aumenta com o agravamento da doença
- e ele pouco acompanha das discussões entre os professores com suas
retóricas, a empolgação humanista do italiano - que descobrem ser
franco-maçom, com todas as suas sutilezas e mistérios - e o tom
solene do comunista-jesuíta, descrente na capacidade humana de
progresso.
A recaída doentia de Joachim - e a
reação de Hans - é o tema deste tópico final do extenso capítulo
VI, um fim de vida para um e fim de etapa para outro, com seus
aprendizados para o primo sobrevivente, que descobre o quanto o
militar manteve coerente e disciplinado mesmo diante da morte que se
aproxima. O Dr. Behrens ressalta esta característica do caráter
viril do 'tenente' Ziemssen, que falta à personalidade de Hans, que
é ambíguo e até hipócrita. Joachim sabe que sua morte é certa e
mantém sua disciplina, sua visão de mundo ordenado, sem se
desesperar. A única diferença é que ele se deixa em diálogo com
uma certa senhorita, a quem nunca ousara abordar antes. Diante da
morte ele perde a discrição e a timidez - e será sua última
oportunidade. Logo, Hans informa a tia dos avanços danosos da
doença, e esta vem ajudar o filho em seus últimos dias.
Joachim mantém a dignidade até o
fim, e quando começa a delirar sobre sua carreira e patente, sobre
as manobras do exército, e em seu momento de agonia, de olhos
vidrados. O primo Hans se adianta para fechar-lhe as pálpebras.
Enquanto, nos funerais, o italiano lamenta a perda de um tão digno
companheiro, o jesuíta lembra da seriedade da morte, e o Dr. Behrens
polemiza que o militar se excedeu, ao não ouvir os conselhos, e
voltar para as manobras militares. Ele desafiou a morte, e como bom
soldado, aceitou-a como prẽmio ao final.
O capítulo VII é também longo e
vem fechar o romance, com a adição de uma personagem importante, a
figura excẽntrica e dionisíaca do comerciante holandês Pieter
Peeperkorn, a acompanhar a sedutora Madame Chauchat. Mas o que ocorre
antes? Vejamos. Indagações, divagações, meditações e mais
devaneios sobre o tempo e sua real irrealidade, nossas mudanças na
percepção do tempo, as transformações na 'visão de mundo' de
Hans Castorp, entre leituras, refeições e repouso. Pois "o
tempo é o elemento da narrativa" [p. 721] O tempo passa
pontualmente, com certa marcação, mas aos nossos sentidos ele pode
ser elástico, se contrair ou estender - e nem entremos em questões
de física da relatividade einsteiniana. Hans lembra-se de andanças
pela praia, em divagações sobre a imensidão do mar, a
infinitude... O tempo avança e recua com as ondas do mar...
Vastidão: eternidade ... No mais, podemos comparar estas lembranças,
e pensamentos profundos, com a cena do meditativo Stephen Dedalus, ao
longo da praia dublinense, no episódio 3 [Proteus] de Ulysses,
de James Joyce.
artigo sobre Ulisses em
http://meucanoneocidentaltres.blogspot.com.br/2016/05/sobre-ulisses-de-james-joyce-parte-1.html
À espera do retorno de Clawdia
Chauchat - em suas viagens pela Europa, de oriente a ocidente, longe
dos olhares do povo da 'montanha' - Hans não pode prever que sua
musa voltará em companhia de uma 'personalidade' a galvanizar todos
os comensais. Chamado de Mynheer Peeperkorn, o holandês logo se
apresenta em modéstia ou discrição a atrair admiração ou inveja
de todos, mas nunca indiferença. Ele fala sobre si mesmo em terceira
pessoa e não poupa palavras para elogiar a vida - suas belezas e
suas comidas. A volta de Clawdia, com o excêntrico senhor,
surpreende o ansioso Hans, mas ele se mantém calmo e não se
humilha.
Hans tenta sufocar seu desdém por
Mynheer Peeperkorn, e é abordado pela Madame Chauchat, a trocarem
palavras ambíguas, para que então o jovem seja apresentado a
semelhante 'personalidade'. O holandês então propõe uma imensa
mesa de jogo para reunir os hóspedes - e alegrar o ambiente. Todos
se animam diante da presença radiante de Peeperkorn, sua alegria em
viver, em gozar as delícias da vida, mesmo com suas doenças e
limitações. Nunca se sente derrotado, nunca se perde em
metafísicas. Mesmo embriagado, o Mynheer é espirituoso, majestoso e
grandioso. Ele é dionisíaco [segundo os critérios de Nietzsche]
diante dos professores cheios de retórica, os eruditos Settembrini e
Naphta, sendo mesmo um 'contraponto' a ambos.
Por fim, Hans procura agradar ao
Mynheer, a tropeçar em racionalismos, pois além do intelecto e do
'espírito', da solenidade e da retórica, a vida pede entusiasmo,
exige ebriedade, como já dizia o poeta francês Charles Baudelaire,
"embriagai-vos, é preciso estar embriagado". Como
Peeperkorn se dedica mais a animar Hans, o ainda racionalista, os
demais comensais se esfriam, afasados da 'fonte de ânimo', pois não
há bacanais sem a generosa figura de Baco, a ser o milorde a
compartilhar benesses com seus vassalos. Um alarme falso encerra o
festim às duas da madrugada, quando Hans ajuda Clawdia a carregar o
ébrio senhor.
Sabemos que a 'montanha mágica' está
distante da vida produtiva-consumista da planície, onde a guerra é
gerada e nutrida, o que propicia a Hans um ambiente de conforto e
discussão, para o aprendizado e o desenvolvimento, como se o jovem
fosse uma espécie de Alice num mundo de descobertas, o País das
Maravilhas. Com as devidas diferenças, por analogia,
acompanhando o mundo das alturas de Mann com a leitura prévias das
alegorias-fantasias de Lewis Carroll, se Hans é a curiosa Alice,
então Joachim é o Coelho Branco, preocupado com os formalismos; e
Settembrini lembra o Chapeleiro Louco, com sua figura de 'velho do
realejo', com suas perguntas imprevistas e provocativas; assim como
Naphta é uma espécie de Lagarta Azul a questionar identidades
alheias, e o vitalismo hilárico e zombeteiro de Myheer Peeperkorn é
próximo daquele do Gato Sorridente, o de Cheshire. É de se
perguntar se Clawdia seria uma espécie de rutilante Rainha de
Copas...
sobre Alice no País das Maravilhas
[1865]
http://leoleituraescrita.blogspot.com.br/2009/12/leitura-de-alice-no-pais-das-maravilhas.html
Mynheer recebe a visita de Hans, e o
assunto é remédios, a cura e o venenos, de que o veneno pode ser
remédio, a depender da dose. Interessante assunto, que depois se
revelará trágico. Doente, acamado, Mynheer não pode falar muito.
Hans, ao longo dos meses, faz outras visitas, sempre sob os olhares
atentos de Clawdia Chauchat. Também, ocorrem cenas de passeios, onde
Hans apresenta o holandês e a russa aos professores Settembrini e
Naphta. Clawdia é hostil ao italiano irônico, mas conversa com
Naphta. Ambos os pedagogos desdenham Mynheer, minguado em retóricas,
pouco imponente ao ar livre.
O Sr. Peeperkorn é cortês e
respeitoso, não irônico, pois é grandioso, sem retóricas. Mas o
professor Settembrini ressalta a estupidez de Mynheer, contudo Hans
admira a 'personalidade', a vitalidade do holandês. O que é
estupidez? Quem a define? E o ser espontâneo não é uma
inteligência apenas diferente da meditativa? A grandiosidade de
Peeperkorn é corporal, é física e vital. Assim, ele se impõe, com
sua vontade, sobre a especulação intelectual. "A personalidade
é um valor positivo", defende. Mas não se deve idolatrar,
avisa Settembrini, o carisma. Hans considera o carisma um mistério
de atração, para além da razão. A presença de Mynheer atrai mais
que a retórica de um Naphta. Mas, irritado, o humanista 'toma o
partido' do jesuíta, por mais que deteste suas contradições. O que
não pode aceitar é o 'mistério' da personalidade. O que o italiano
admira são a 'objetividade e a cama de espírito'. Ao admirar o
carisma do holandês, Hans não o vê como 'rival', não pretende
mostrar-se agora 'viril', em disputas. Não se sente ofendido.
Os debates entre os intelectuais
'perdem força' quando na presença da personalidade 'magnética' de
Mynheer Peeperkorn. O humanista defende as Ideias, as Luzes, o
Progresso, o jesuíta prega a abnegação, a devoção, a reforma da
Igreja, e Peeperkorn exalta a vitalidade, o comer bem, a embriaguez,
a sensualidade. Volúpia que Settembrini defende, Naphta condena, mas
quem a viveu, e vive, é o hedonista Peeperkorn. Ele observa o duelo
intelectual, faz comentários, e a retórica se esfria. A
'personalidade' não tem um 'caráter educador', pois quando fala é
por entusiasmo. Depois, Clawdia e Hans se encontram no sanatório e
conversam sobre a condição acamada do grandioso Mynheer. Ela
reconhece a reverência de Hans diante da 'personalidade', e solicita
apoio para cuidar do enfermo. Em seguida, por gratidão, Clawdia sela
o pacto de amizade com um beijo.
Um tempo depois, Hans faz uma visita
ao acamado Peeperkorn, quando falam sobre os passeios, os banquetes e
as bebedeiras, os professores retóricos, e, claro, as mulheres. O
que sabe Hans sobre mulheres? Banalidades (ou convencionalismos?).
Que mulher não tem vontade própria, é reativa, são objetos,
submissas ao amor masculino. Mynheer declara que o homem tem o desejo
e a mulher espera ser conquistada pelo desejo dele. É próprio do
homem, com sua 'força viril' despertar a vida. "O nosso dever
de sentir" [p. 807] e nada de especulações sobre a 'mulher' -
Mynheer quer saber o que Hans sente por Clawdia. Assim, súbito e
cortante. Hans se perturba, sem retóricas. Por que prefere o jovem
ficar à cabeceira do velho enfermo a fazer companhia à madame?
Peeperkorn percebera que o comportamento de Hans diante de Clawdia é
um tanto formal, uma 'atitude forçada'. De modo que o Sr. Peeperkorn
é nada estúpido - percebe bem o comportamento alheio, o que é
espontâneo, o que é 'forçado'. Hans está sem reação - perplexo.
Mynheer Peeperkorn desconfia que
Clawdia e Hans foram 'amantes' na temporada passada. Então, o jovem
confessa ao velho a paixão - vertida na noie canavalesca - pela
madame. No dia seguinte, ela foi embora para a 'planície', para as
viagens. E quando ela retorna, não estava sozinha - mas acompanhada
por uma 'personalidade'. Hans sabe que a madame não pode amar um
jovem tão inexperiente quanto ele, que a considera uma mulher
'genial', caprichosa, pois 'a doença a deixa livre'. Hans se sente
decepcionado, mas não tem hostilidade contra Mynheer, o que incomoda
Clawdia. "As mulheres não gostam de que os seus amantes se
entendam." [p. 817] Castorp lembra que está muito tempo -
quantos anos? - ali na montanha, que perdeu o primo, que não tem
contato com a 'planície', que não é homem 'de personalidade', é,
sim, um 'filho enfermiço da vida' - como dizia o pedagogo italiano
-, que estava a espera de Clawdia, que ele se entregou à doença.
Mynheer compreende a condição de Hans e decide ser fraternal, e não
um rival, sendo assim propõe usarem o 'tu' sem formalidades. Hans
considera a amizade de Mynheer uma honra.
O tempo passa. Passa o inverno, chega
a primavera. Tempo em que Mynheer Peeperkorn passara acamado -
somente 'regendo' as refeições noturnas. Hans tenta agradar tanto
Clawdia quanto Mynheer, ainda que deslize em 'formalismos' no
convívio social. Um belo dia, desejam seguir em passeio até uma
cascata na floresta. Na saída, Hans se encontra com o outro 'rival',
outro apaixonado pela madame. Ambos apagados diante da
'personalidade'. Mas o 'rival' Wehsal, o pianista, está ainda mais
atormentado, em cobiça insaciável. Hans se recusa a ouvir as
confissões indiscretas do 'mísero' rival. Na aldeia, os dois
retóricos se unem aos internos de Berghof e seguem todos floresta
adentro, onde podem contemplar a exuberante cachoeira, mais abundante
e ruidosa devido ao degelo nas montanhas. Mynheer decide onde todos
devem parar para o farto lanche. Mynheer discursa mas somente se ouve
os estrondos da queda d'água, mas ele não se importa. ele bebe em
honra ao esplendor da Natureza. Depois da ceia, voltam para a aldeia.
Na noite que se segue, alteração na
rotina do sanatório. Hans é despertado para prestar auxílio à
madame. Ao chegar aos aposentos de Peeperkorn, o jovem o encontra
morto. O Dr. Behrens atesta como suicídio por uso de substância
venenosa (quinino?) Assim, lembramos da cena discursiva sobre
remédios e venenos. De modo que Mynheer Pieter Peeperkorn abdicou,
segundo a declaração de madame Chauchat, a 'viúva', que recebe as
condolências de Hans Castorp.
A narrativa se estendeu, longa e
digressiva, e o romance se precipita para o fim ( faltam ainda metade
do capítulo, ou 120 páginas ... ) e Hans está bem entediado, de
mau humor, como vem notou o Dr. Behrens. Para o médico, a cura do
jovem é 'progressiva', as 'manchas úmidas' do pulmão estão a
diminuir. Mas é possível que bacilos se alojassem no sangue (será
isso? ou anemia? ou linfoma?) O Dr. deseja experimentar novos
tratamentos, e o paciente se diz disposto. A indolência toma conta
do protagonista, ainda mais com a ausência da madame - sua angústia
constante.
Na 'montanha mágica' as ocupações
e manias para afastar o tédio - fotografias, filatelia, guloseimas,
jogos, artesanato - que podem se tornar caprichos e obsessões. O
caso do promotor preocupado com a quadratura do círculo -
atormentado por equações matemáticas, entre a melancolia e o
desespero. Hans ouve a todos aqueles de ideias fixas, mesmo as mais
elaboradas. Projetos de reciclagem, aprendizado de idiomas,
carteados, paciências, etc. Enquanto isso, o Sr. Settembrini vive
preocupado com a política europeia (em vésperas da Grande Guerra
de 1914-18), com o paneslavismo em reação ao pangermanismo (e o
italiano odeia a hegemonia austríaca...), enquanto isso Hans vive
sob o 'Grande Tédio'. Em breve virá a Catástrofe - a matança, os
genocídios, o fim dos Impérios. Hans se submete aos tratamentos -
sangrias, desintoxicações, vacinas - em sua rotina de paciente,
enquanto continua a 'tirar paciências'.
Para distrair os internos, é
instalado no salão um aparelho de som, um toca-discos de baú,
espécie de gramofone, com uma coleção de discos ('discoteca'), com
sontas, árias, Lieder, valsas, tangos, sinfonias, óperas. Um
simulacro de orquestra. Logo, Hans se encarrega do aparelho de som, e
sua 'discoteca', como uma nova paixão, pela invenção de 'nova
época'. O jovem torna-se possessivo, até 'ciumento' com relação
ao novo aparelho, não ouve passivamente, como por comodidade, mas
'investiga' a invenção, se informa sobre as peças musicais,
ordenava os discos, pois ele não quer ser parte do 'auditório', mas
o produtor do espetáculo (hoje diríamos, ele não é plateia, é o
DJ...), ele organiza tudo, a zelar pelo bom funcionamento, torna-se o
'técnico' de som. A sós, ele sofre com as óperas, delicia-se com
as valsas. - Barbeiro de Sevilla - "Figaro!"-,
de Rossini, Aida, de Verdi, a Carmen, de Bizet, Fausto,
de Gounod, A Tília, de Schubert, verdadeiros 'sustos e
êxtases' para Hans, que repousa entre melodias, fantasias e sonhos,
de amor e morte. [Lembramos que música será tema de outra
obra-prima de Thomas Mann, o romance Doktor Faustus (1947),
onde o protagonista é um músico atormentado.]
sobre primeiros aparelhos toca-discos
http://www.paulistando.com.br/2013/04/furo-1913-primeira-reuniao-audiofila.html
Quanto à morte, nova mania se apossa
dos internos, aquela dos fenômenos psíquicos, sobrenaturais:
hipnotismo, sonambulismo, telepatia, comunicação com os mortos (as
'mesas giratórias'), uma diluição do espiritualismo 'hermético'
na forma de espiritismo. Do inconsciente ao 'superconsciente', assim
como se vai dos estudos de Freud às alquimias de Jung. Do mais
íntimo da personalidade ao saber que transcende o indivíduo. De
onde o patológico, a histeria, o oculto dentro de nós mesmos? Vem o
'espírito' da própria dinâmica da matéria? Ou a matéria (o
corpo) é movida pela presença do espírito (a alma)?
Uma paciente 'paranormal' adentra a
cena, para perplexidade dos internos, que adoram jogos de
adivinhação. Mas a nova paciente tem auxílios 'sobrenaturais', não
previstos pela lógica. O Dr. psiquiatra se ocupa do caso misterioso
- com sua 'dissecação da alma' (uma proto-sessão de análise...).
Também Hans Castorp se interessa pelos fenômenos sobrenaturais, com
sua 'viva curiosidade'. Que espírito será este que sussurra ao
ouvido da jovem paciente? Que fenômenos cercam a jovem existência?
Telecinese, visão de falecidos, telepatia?
Os internos organizam sessões de
'mesa giratória' para sondar o desconhecido. Tentativas de 'diálogo'
com os espíritos do mundo-do-além. Que espécie de 'oráculo' podem
invocar? Um espírito faceiro a responder - e se irritar - e a usar
um alfabeto para expressar poemas. Imagens simbolistas da vastidão
marítima a confundir-se com a eternidade. Onde o humano e o divino
se comunicam em 'palavras sonhadoras' (e a 'poesia do onírico' se
apresentaria nas formas de Expressionismo e de Surrealismo nas
vanguardas de início de século 20). Alguns se assustam, outros
nauseados, ao se manifesar a presença 'do além', que se despede em
pancadas.
O Sr. Settembrini reprova tais
experiências como impostura, e mostra-se discontente com o
'discípulo'. E Hans não sabe quais os limites entre realidade e
ilusão. Settembrini alerta contra o ceticismo e contra os
misticismos. Hans promete se afastar das sessões 'espíritas'. Fora
as 'experiências' do Dr. Krokowski, com hipnotismo, junto com
melodias, iluminação baixa, para a produção de fenômenos
telecinéticos. Também 'materializações' de projeções mentais,
com fluídos emanados do corpo do/a médium. Ou manifestações de
entidades desencarnadas. Hans é informado, mas mantém-se isolado.
Finalmente, após insistências, Hans
acompanha outra sessão sobrenatural no laboratório do psiquiatra.
Na penumbra, se reúnem os internos, entre curiosos e tensos. Após o
transe da médium, se manifesta o espírito, que antes prometera
trazer outra entidade, à escolha do grupo. Hans deseja a presença
do falecido primo Joachim. O transe é profundo, após algum tempo, a
médium repete gestos de Joachim no momento da morte... Depois de uma
pausa, nova peça musical, surge a figura de Joachim, formal,
fardada, soturna! Ilusão ou realidade? Aparição ou delírio?
Manifesação ou sugestionamento? Nunca saberemos. Hans se levanta e
sai da sala.
Antes do conflito aberto, a
irritação, a hostilidade, os debates nada amistosos. A época de
paz e tédio se apaga - acabava assim a Belle Époque, tão
bem descrita por Marcel Proust em sua obra Em Busca do Tempo
Perdido - para a entrada de um século de violências e
genocídios, de massacres e morte sistemática. Os internos e seus
acessos de fúria, suas crises súbitas e imprevistas. Discussões,
brigas, duelos, tribunais de honra. Também Settembrini e Naphta
acham-se em estado de irritação, não suportam ironias quando a
retórica perde efeito, quando sentem-se reféns de uma doença
crônica, que enfraquece o corpo e entorpece a mente. O italiano se
envergonha, melancólico, e o jesuíta se entrega à doença, a
desprezar o corpo frágil. Parece mesmo um irascível desejo de
guerra, que tudo acabe e seja refeita a política. A fragilidade
humana e as falhas da ciência e da técnica: a tragédia do navio
britânico Titanic, que naufraga na viagem inaugural em abril
de 1912. Sim, uma insegurança geral, o sentimento de um fim de uma
época.
Settembrini menciona a justiça, e
Naphta diz não passar de retórica, e zomba da ciência, do
evolucionismo, da filosofia natural, do monismo, das leis da física,
do domínio da natureza, do éter, do aomo, do espaço-tempo, do
realismo, do niilismo, em suma, do conhecimento humano. Cada vez mais
antipático, Naphta ataca as revoluções iluminista, liberal,
romântica - para a irritação do italiano. É o limite - é o
impasse - o desafio para um duelo. Naphta havia irritado Settembrini
ao ponto de trocarem ofensas - e o jesuíta insiste num duelo - nem
Hans consegue apaziguar os professores. Por que levam a discussão
ideológica para o lado pessoal? Por que se matarem por causa de
ideias? O Sr. Settembrini declara que se deve estar pronto para
arriscar a vida por um ideal.
O duelo Naphta versus
Settembrini é a confirmação do debate que leva ao conflito armado
- que acontece na Europa, de 1914 a 1918, que levou ao declínio do
continente (e a ascensão de domínios políticos e militares na Ásia
- União Soviética - e na América - os Estados Unidos) - quando a
diplomacia se rende ao belicismo. O que é um duelo? É uma
instituição 'cavalheiresca' para domar uma luta corporal bestial.
Hans espera que os ãnimos se esfriem para uma reconciliação. Hans
é convocado para ser o árbitro... Wehsal e Fege são os 'padrinhos'
de Naphta e Settembrini. Ao amanhecer, chegam ao limite da aldeia, e
o jovem tenta dissiadi-los - em vão. Então o italiano atira para o
alto, e o jesuíta, transtornado, atira contra a própria cabeça!
Fim de cena.
Sete anos - eis o tempo de Hans
Castorp na 'montanha mágica' de Berghof, em Davos, nos alpes suiços.
Longe se vão as planejadas três semanas ao lado do primo Joachim,
já falecido. Hans é um paciente resignado, vive sua rotina. Até
que um 'trovão' - ou tiro de canhão - ressoa na Europa: as alianças
entre os países leva a uma guerra generalizada, é a Grande
Guerra [depois será a Primeira Guerra Mundial, pois
haverá a Segunda, de 1939 a 1945] que deixará o continente em
ruínas e revoluções, com a implosão dos Impérios Centrais -
alemão e austro-húngaro - além do russo e otomano - com a
civilização europeia num impasse - toda a educação humanista para
quê? Para tudo terminar numa guerra total a massacrar a juventude?
Sim, pois Hans deixa o mundo paralelo
da montanha e desce até a planície para ser um voluntário a lutar
por seu país. O Narrador reconhece o protagonista durante uma
ofensiva - que deve ser a da Primeira Batalha de Ypres, em
outubro de 1914 - quando estudantes voluntários, com pouco
treinamento são enviados para o destroçado front. Somos
observadores do massacre, onde o jovem Hans, após todo o estudo,
toda meditação, e o desenvolvimento intelectual na 'montanha
mágica', não tem outro fim que aquele do campo de batalha. Não
sabemos se ele morreu ou sobreviveu, o Narrador deixa a cena se
esfumaçar, caótica, num bombardeio de artilharia, e os jovens
tombam ou avançam num cenário de terror, produzido pela própria
ciência e pela insensatez política.
Batalha
de Langemarck, 22 outubro 1914
na
Primeira Batalha de Ypres [out - nov 1914]
estudantes
e recrutas sem experiência na ofensiva alemã fracassada
http://veja.abril.com.br/historia/primeira-grande-guerra-mundial/1915-abril-batalha-galipoli/morte-ar-primeiro-ataque-gas-ypres.shtml
[por
sua vez os britânicos sofreram as maiores na
Batalha
de Paschendale, 31 julho 1917 na
Terceira
Batalha de Ypres, jul - nov 1917 ]
http://entrandonahistoria.blogspot.com.br/2009/02/1-guerra-mundial-passchendaele.html
ver
obra de E. M. Remarque, Nada de novo no front ocidental, 1929,
onde
professor orienta estudantes para se alistarem
[o
livro inspirou filme em 1930...]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Im_Westen_nichts_Neues
http://www.imdb.com/title/tt0020629/
https://www.youtube.com/watch?v=OQc_Gj8Q-FE
Assim como lamentamos a morte do
oficial Robert de Saint-Loup, o nobre francês, refinado e elegante,
da obra de Proust, aqui pranteamos a morte gratuita de Hans Castorp,
após sua vida narrada como um 'romance de formação', para
progresso algum, exceto aquele da barbárie militarista. Eis o aviso
de Thomas Mann, que viu seu país invadido pelos radicalismos, tanto
de esquerda como de direita, que levaram ao conflito interno, e ao
surgimento de um dos maiores pesadelos da humanidade: o Estado
totalitário e seus genocídios. Mann, com sua verve humanista, em
seu exílio, bem que avisara em seus discursos na BBC contra o
ditador Hitler, o quanto a Alemanha - e a Europa - haviam decaído ao
abandonarem os ideais de liberdade e fraternidade.
alguns
discursos de Thomas Mann na BBC de Londres
durante
a Segunda Guerra Mundial
http://sgmsegundaguerramundialww2.blogspot.com.br/2011/09/mais-discursos-de-thomas-mann.html
http://sgmsegundaguerramundialww2.blogspot.com.br/2012/01/apelo-de-t-mann-ao-povo-alemao-nazismo.html
http://sgmsegundaguerramundialww2.blogspot.com.br/2013/07/thomas-mann-contra-hitler-queda-do.html
http://sgmsegundaguerramundialww2.blogspot.com.br/2013/09/quem-salvara-alemanha-discurso-contra.html
mai
/ jun 16
by
Leonardo de Magalhaens
mais
info em
http://www.e-biografias.net/thomas_mann/
http://www.jornalopcao.com.br/colunas/imprensa/sergio-buarque-de-holanda-entrevista-thomas-mann-e-descobre-origem-brasileira-da-mae-do-autor-de-a-montanha-magica
https://felipepimenta.com/2013/10/02/resenha-de-a-montanha-magica-de-thomas-mann/
https://espectral.wordpress.com/2011/01/12/leituras-de-2011-thomas-mann-a-montanha-magica-1924/
http://antoniocicero.blogspot.com.br/2008/04/apresentao-de-montanha-mgica-de-thomas.html
http://www.ocampones.com/?p=6346
http://www.pmannia.com/2011/04/zauberberg-woodcuts-to-thomas-manns.html
original
Der Zauberberg em alemão
http://pdbooks.ca/books/deutsch/authors/thomas-mann/der-zauberberg/vorsatz.html
Referências
MANN,
Thomas. A Montanha Mágica. [Der Zauberberg] Trad.
Herbert Caro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. (Coleção 40
anos, 40 livros)
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