sobre POR QUEM OS SINOS DOBRAM?
[For
whom the bell tolls, 1940] romance
do
escritor norte-americano Ernest Hemingway [1899-1961]
Missão
e paixão num combate entre irmãos
parte 2
Acontece o ataque aos guerrilheiros liderados pelo partisan chamado El Sordo, que recebera visita de Pilar e Jordan em episódio anterior. O problema é que os guerrilheiros haviam deixado pistas após uma ação para roubarem alguns cavalos. E os guerrilheiros ao lado de Jordan nada puderam fazer - ainda mais com aviões fascistas a patrulharem a região... Não era concebível sacrificar o grupo, tendo em vista a missão de dinamitar a ponte. Nada pode ser feito - as tropas fascistas são superiores em homens e armas.
Após abater um cavaleiro fascista,
Jordan pode ler as cartas recebidas pelo jovem católico monarquista,
advindo de regiões ao norte, fortemente anticomunistas (mais do que
fascistas...), devido a 'defesa da religiosidade'. A família o
exorta a 'enxotar' os perigosos vermelhos... Robert Jordan lê as
cartas e discute consigo mesmo, a lamentar ter matado o cavaleiro.
Pois é certo matar pela causa, para auto-defesa, ou por necessidade
estratégica, mas não matar o próximo, por medo, no que seria um
homicídio. Robert não é fanático, não é 'vermelho', mesmo
estando sob disciplina destes. Sua educação liberal, seu caráter
voluntarista, permite a ele criticar a própria conduta num guerra
fraticida, que desrespeita todas as regras - sejam éticas ou
bélicas.
Vários intelectuais e idealistas
atuaram no conflito espanhol
ver em
http://www.dw.com/pt/guerra-civil-espanhola-atraiu-artistas-e-intelectuais-de-todo-o-mundo/a-4138474
Foco desloca-se para a resistência
do grupo de El Sordo, que acha difícil aceitar a própria morte, "a
morte é inevitável, mas detesto isso", assim, mesmo ferido e
encurralado, ele insulta e mata alguns perseguidores fascistas.
Fartos insultos em espanhol que resvalam em blasfêmias (pois ferem a
austeridade religiosa) de ambos os lados, numa perseguição que
somente acaba com a chegada da aviação nacionalista, que bombardeia
as posições dos guerrilheiros. Até guerrilheiro comunista começa
a rezar... Um massacre! O oficial monarquista vencedor reza para o
repouso das almas e manda cortar as cabeças dos mortos!
A cavalaria nacionalista se afasta
após o bombardeio e o velho Anselmo, do grupo de Jordan, pode
atravessar a região, onde encontra os restos do massacre, os corpos
sem cabeças, e o velho também reza pelos mortos. No fim, a religião
concede o único consolo possível. O velho descreve o movimento das
tropas fascistas, o quanto se preparam para a contra-ofensiva (não
tão secreta assim...) e Jordan resolve escrever um despacho para o
comando - afinal, é importante cancelar a implosão da ponte.
Enquanto isso, Jordan pensa na estratégia (e blefes) dos
nacionalistas - franquistas, falangistas, monarquistas, carlistas - e
na complexidade da guerra civil - e lembra-se de outra guerra civil,
a americana, sete décadas antes, na qual participara seu avõ, seu
exemplo de coragem. Lá os cavalarianos cortavam cabeças,
peles-vermelhas tiravam escalpos dos soldados.
Jordan admira o avô e não o pai,
que era um suicida. Será que a segunda geração seria a covarde? O
avô conservador tinha um neto democrata que obedece aos
comunistas... Jordan não pode pensar apenas na missão, agora que
tem o carinho e o calor de Maria ao seu lado, e o amor da mocinha tão
ferida no conflito é uma forma de humanizá-lo. Até fazer planos
para um futuro incerto - num mundo sem guerras. Antes ele só pensava
na 'causa', agora quer saber sobre a vida dos camponeses, dos que
resistem ao golpe, dos pais de Maria, republicanos massacrados. O pai
de Maria era republicano, um alcaide [prefeito] de cidade
interiorana, que, junto com a mãe, foram fuzilados pela Guarda
Civil, aliada dos fascistas / falangistas. Jovens da elite da
cavalaria espanhola que não hesitam em atos bárbaros, enquanto a
violência do povo, e dos 'vermelhos', vem da vingança e da
ignorância.
Jordan medita sobre a grande
crueldade, sobre o desejo de domínio, não só em Franco e seus
seguidores, mas nos domindaores tias como Cortez ou Pizarro, que
massacraram populações da América latina, de cultura
pré-colombiana. Como entender tanta cultura e tanta crueldade? E
entender é perdoar? Pode-se perdoar os fascistas? Por que um país
tão cristão, ao ponto do fanatismo, se fragmentou em tanto sangue?
É um país sem reforma - nem religiosa nem social - que vivera sob
uma igreja católica corrupta e uma Inquisição incremente. A
realidade espanhola é repensada quando de sua chegada ao hotel de
Madrid, e seus contatos com comunistas, sejam espanhóis, alemães ou
russos. No hotel Gaylord, os comandantes das mais diversas
nacionalidades se encontram para decidir o destino da República
espanhola, cada vez mais à esquerda. Decisões diante de mapas,
ofensivas próximas, avanços ou retiradas em esboço, e a região
onde Jordan deve agir. Assim a missão é dada.
A ação do partisan Jordan é
cheia de percalços, desde a precariedade do grupo até a traição
de Pablo, que desaparece com os detonadores. Enquanto isso, o
mensageiro Andrés segue com o despacho de Jordan para além das
frentes de batalha, e passa por momentos de perigo. Jordan indignado
com a traição de Pablo, a ponto de amaldiçoar os espanhóis e a
guerra fraticida, enquanto o mensageiro coloca vida em risco para
cumprir a ordem do partisan enviado pelo comando. Andrés precisa
convencer os guardas do governo republicano de que não é um
fascista. Não é bem recevido: o exército da República não aprova
os grupos guerrilheiros. Não se pode confiar - qualquer descuido e
poderá ser morto, fuzilado num paredón.
Ninguém quer morrer, muito menos
Jordan, que deseja uma vida longa, se possível ao lado de Maria, de
repente ser um 'homem velho e sábio', pois morrer sem aprender é um
um desperdício. Mas ele não hesita nos preparativos para a
dinamitação da ponte - mesmo que não tenha certeza sobre as
chances de êxito. Ao seguir as ordens, ele poderá colocar todos em
risco de morte, e nem conseguir completar a explosão da ponte. Ele
sabe que a exaltação é tão inútil quanto a covardia, que se pode
ser possuído pela raiva apenas em ação, no combate sem quartel.
Então eis que o desordeiro Pablo retorna, arrependido, segundo ele,
e com reforços, para provar que não é um covarde. Mas não que o
ex-líder Pablo confie no plano e em Jordan, mas apenas quer ação e
provar que não tem medo. Nada de agir em prol da 'causa', seja a
república ou a revolução.
Jordan está mais preocupado com a
ação, seu êxito, e sua responsabilidade pelos outros - são
guerrilheiros que podem morrer por falha dele, ou erro do planejado.
Uma coisa é um plano diante de um mapa lá em Madri, outra vem
diversa é lidar com vidas em risco. Enquanto Andrés segue com a
mensagem, as ordens de Jordan são mantidas, primeiro eliminar os
guardas e então dinamitar a ponte. É importante disciplina, e
seguir as ordens. O que diminui a responsabilidade pessoal e segue a
'lógica' da guerra. Uma lógica meio desordenada, como pode perceber
Andrés que insiste em levar a mensagem até o comando da ofensiva
republicana. Sofre com transtornos e congestionamentos do
Estado-Maior, o que evidencia a indisciplina do grande exército da
República. Mil dificuldades para o despacho chegar às mãos de
Golz!
A cena apresenta as várias divisões
dentro das tropas republicanas, com os comunistas atritando
stalinistas contra trotskistas, e ambos contra os anarquistas, que
diferem dos guerrilheiros (que incluem ciganos, como sabemos), que
somente se uniram contra um inimigo comum. Também a chegada das
brigadas internacionais tumultua as tropas, uma vez que ocorrem
expulsões e até fuzilamentos por motivação política. Ficamos a
saber que o Golz tem inimigos no Estado-Maior e nas brigadas, o que
fragiliza o comando. Como vencer assim os rebeldes militaristas? As
tropas nacionalistas - fascistas e monarquistas - conheciam a
geografia espanhola melhor que os estrategistas internacionalistas -
assim a tornar inútil qualquer plano traçado sobre mapas que os
estrangeiros pouco compreendiam. Os russos discordam entre si, o
comandante francês diverge dos russos, e assim por diante, nas
oscilações da política.
O fato é que o ataque não pode mais
ser cancelado. A inércia das operações de guerra - deslocamento de
tropas, de veículos blindados, de pistas para a aviação, etc -
requer longo preparo e logística, em ação cronometrada. Mas Andrés
tem uma ajuda, quando a figura do jornalista russo Karkov (lembrado
nos flashbacks do americano) aparece para interferir junto ao
comando brigadista e liberar o despacho de Jordan. Andrés pode assim
seguir até ao comandante Golz, sem a interferência de mais
comissários. outro general tenta cancelar a ofensiva republicana,
mas é tarde demais, e então o ataque se inicia.
A ação frenética vem fechar o
livro que estendeu três dias de missão e paixão em quarenta
capítulos. Tudo se precipita para o fim - na escrita ágil de
Hemingway - pois as ordens devem ser cumpridas a qualquer custo.
Robert Jordan e os guerrilheiros seguem para matar os guardas e
dinamitar a ponte. Com a explosão da estrutura, o guia de Jordan é
atingido e morre. Outros guerrilheiros são feridos no tiroteio.
Outros conseguem alcançar os cavalos e fugir. Sendo o último da
fila indiana, Jordan é atingido por disparos de blindados e tem a
perna quebrada sob o peso do cavalo abatido. O que fazer? Se render?
Nunca. Antes de morrer - após desesperada despedida de Maria -
Robert Jordan precisa alcança forças para abater alguns guardas
fascistas que se aproximam. É hora de pagar com a vida o preço do
idealismo.
jul/ago/16
Leonardo de Magalhaens
mais info em
https://en.wikipedia.org/wiki/For_Whom_the_Bell_Tolls
http://meialua.gamehall.uol.com.br/por-quem-os-sinos-dobram-resenha-do-livro/
fotos de E. Hemingway [by Robert Capa]
https://pro.magnumphotos.com/C.aspx?VP3=SearchResult_VPage&STID=2TYRYDGO4PBQ
livro on-line em
http://pdbooks.ca/books/english/authors/hemingway-ernest/for-whom-the-bell-tolls/1.html
filme baseado no livro
For whom the bell tolls [1943]
diretor Sam Wood
http://www.imdb.com/title/tt0035896/
http://cinemalivre.net/filme_por_quem_os_sinos_dobram_1943.php
filme sobre a guerra civil espanhola
que mescla realismo e fantasia:
O Labirinto do Fauno [Mex,
2006]
de Guilhermo Del Toro
http://www.imdb.com/title/tt0457430/
https://www.youtube.com/watch?v=0A9TEbbPfik
Referências
HEMINGWAY, Ernest. Por quem os
sinos dobram. [For whom the bell tolls] Trad. Luis Paeze.
12ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
...