segunda-feira, 8 de agosto de 2016

sobre POR QUEM OS SINOS DOBRAM - p 2 - Hemingway






sobre POR QUEM OS SINOS DOBRAM?
[For whom the bell tolls, 1940] romance
do escritor norte-americano Ernest Hemingway [1899-1961]



Missão e paixão num combate entre irmãos




parte 2


    Acontece o ataque aos guerrilheiros liderados pelo partisan chamado El Sordo, que recebera visita de Pilar e Jordan em episódio anterior. O problema é que os guerrilheiros haviam deixado pistas após uma ação para roubarem alguns cavalos. E os guerrilheiros ao lado de Jordan nada puderam fazer - ainda mais com aviões fascistas a patrulharem a região... Não era concebível sacrificar o grupo, tendo em vista a missão de dinamitar a ponte. Nada pode ser feito - as tropas fascistas são superiores em homens e armas.

     Após abater um cavaleiro fascista, Jordan pode ler as cartas recebidas pelo jovem católico monarquista, advindo de regiões ao norte, fortemente anticomunistas (mais do que fascistas...), devido a 'defesa da religiosidade'. A família o exorta a 'enxotar' os perigosos vermelhos... Robert Jordan lê as cartas e discute consigo mesmo, a lamentar ter matado o cavaleiro. Pois é certo matar pela causa, para auto-defesa, ou por necessidade estratégica, mas não matar o próximo, por medo, no que seria um homicídio. Robert não é fanático, não é 'vermelho', mesmo estando sob disciplina destes. Sua educação liberal, seu caráter voluntarista, permite a ele criticar a própria conduta num guerra fraticida, que desrespeita todas as regras - sejam éticas ou bélicas.

Vários intelectuais e idealistas
atuaram no conflito espanhol
ver em
http://www.dw.com/pt/guerra-civil-espanhola-atraiu-artistas-e-intelectuais-de-todo-o-mundo/a-4138474


     Foco desloca-se para a resistência do grupo de El Sordo, que acha difícil aceitar a própria morte, "a morte é inevitável, mas detesto isso", assim, mesmo ferido e encurralado, ele insulta e mata alguns perseguidores fascistas. Fartos insultos em espanhol que resvalam em blasfêmias (pois ferem a austeridade religiosa) de ambos os lados, numa perseguição que somente acaba com a chegada da aviação nacionalista, que bombardeia as posições dos guerrilheiros. Até guerrilheiro comunista começa a rezar... Um massacre! O oficial monarquista vencedor reza para o repouso das almas e manda cortar as cabeças dos mortos!

     A cavalaria nacionalista se afasta após o bombardeio e o velho Anselmo, do grupo de Jordan, pode atravessar a região, onde encontra os restos do massacre, os corpos sem cabeças, e o velho também reza pelos mortos. No fim, a religião concede o único consolo possível. O velho descreve o movimento das tropas fascistas, o quanto se preparam para a contra-ofensiva (não tão secreta assim...) e Jordan resolve escrever um despacho para o comando - afinal, é importante cancelar a implosão da ponte. Enquanto isso, Jordan pensa na estratégia (e blefes) dos nacionalistas - franquistas, falangistas, monarquistas, carlistas - e na complexidade da guerra civil - e lembra-se de outra guerra civil, a americana, sete décadas antes, na qual participara seu avõ, seu exemplo de coragem. Lá os cavalarianos cortavam cabeças, peles-vermelhas tiravam escalpos dos soldados.

     Jordan admira o avô e não o pai, que era um suicida. Será que a segunda geração seria a covarde? O avô conservador tinha um neto democrata que obedece aos comunistas... Jordan não pode pensar apenas na missão, agora que tem o carinho e o calor de Maria ao seu lado, e o amor da mocinha tão ferida no conflito é uma forma de humanizá-lo. Até fazer planos para um futuro incerto - num mundo sem guerras. Antes ele só pensava na 'causa', agora quer saber sobre a vida dos camponeses, dos que resistem ao golpe, dos pais de Maria, republicanos massacrados. O pai de Maria era republicano, um alcaide [prefeito] de cidade interiorana, que, junto com a mãe, foram fuzilados pela Guarda Civil, aliada dos fascistas / falangistas. Jovens da elite da cavalaria espanhola que não hesitam em atos bárbaros, enquanto a violência do povo, e dos 'vermelhos', vem da vingança e da ignorância.

     Jordan medita sobre a grande crueldade, sobre o desejo de domínio, não só em Franco e seus seguidores, mas nos domindaores tias como Cortez ou Pizarro, que massacraram populações da América latina, de cultura pré-colombiana. Como entender tanta cultura e tanta crueldade? E entender é perdoar? Pode-se perdoar os fascistas? Por que um país tão cristão, ao ponto do fanatismo, se fragmentou em tanto sangue? É um país sem reforma - nem religiosa nem social - que vivera sob uma igreja católica corrupta e uma Inquisição incremente. A realidade espanhola é repensada quando de sua chegada ao hotel de Madrid, e seus contatos com comunistas, sejam espanhóis, alemães ou russos. No hotel Gaylord, os comandantes das mais diversas nacionalidades se encontram para decidir o destino da República espanhola, cada vez mais à esquerda. Decisões diante de mapas, ofensivas próximas, avanços ou retiradas em esboço, e a região onde Jordan deve agir. Assim a missão é dada.

     A ação do partisan Jordan é cheia de percalços, desde a precariedade do grupo até a traição de Pablo, que desaparece com os detonadores. Enquanto isso, o mensageiro Andrés segue com o despacho de Jordan para além das frentes de batalha, e passa por momentos de perigo. Jordan indignado com a traição de Pablo, a ponto de amaldiçoar os espanhóis e a guerra fraticida, enquanto o mensageiro coloca vida em risco para cumprir a ordem do partisan enviado pelo comando. Andrés precisa convencer os guardas do governo republicano de que não é um fascista. Não é bem recevido: o exército da República não aprova os grupos guerrilheiros. Não se pode confiar - qualquer descuido e poderá ser morto, fuzilado num paredón.

     Ninguém quer morrer, muito menos Jordan, que deseja uma vida longa, se possível ao lado de Maria, de repente ser um 'homem velho e sábio', pois morrer sem aprender é um um desperdício. Mas ele não hesita nos preparativos para a dinamitação da ponte - mesmo que não tenha certeza sobre as chances de êxito. Ao seguir as ordens, ele poderá colocar todos em risco de morte, e nem conseguir completar a explosão da ponte. Ele sabe que a exaltação é tão inútil quanto a covardia, que se pode ser possuído pela raiva apenas em ação, no combate sem quartel. Então eis que o desordeiro Pablo retorna, arrependido, segundo ele, e com reforços, para provar que não é um covarde. Mas não que o ex-líder Pablo confie no plano e em Jordan, mas apenas quer ação e provar que não tem medo. Nada de agir em prol da 'causa', seja a república ou a revolução.

     Jordan está mais preocupado com a ação, seu êxito, e sua responsabilidade pelos outros - são guerrilheiros que podem morrer por falha dele, ou erro do planejado. Uma coisa é um plano diante de um mapa lá em Madri, outra vem diversa é lidar com vidas em risco. Enquanto Andrés segue com a mensagem, as ordens de Jordan são mantidas, primeiro eliminar os guardas e então dinamitar a ponte. É importante disciplina, e seguir as ordens. O que diminui a responsabilidade pessoal e segue a 'lógica' da guerra. Uma lógica meio desordenada, como pode perceber Andrés que insiste em levar a mensagem até o comando da ofensiva republicana. Sofre com transtornos e congestionamentos do Estado-Maior, o que evidencia a indisciplina do grande exército da República. Mil dificuldades para o despacho chegar às mãos de Golz!

     A cena apresenta as várias divisões dentro das tropas republicanas, com os comunistas atritando stalinistas contra trotskistas, e ambos contra os anarquistas, que diferem dos guerrilheiros (que incluem ciganos, como sabemos), que somente se uniram contra um inimigo comum. Também a chegada das brigadas internacionais tumultua as tropas, uma vez que ocorrem expulsões e até fuzilamentos por motivação política. Ficamos a saber que o Golz tem inimigos no Estado-Maior e nas brigadas, o que fragiliza o comando. Como vencer assim os rebeldes militaristas? As tropas nacionalistas - fascistas e monarquistas - conheciam a geografia espanhola melhor que os estrategistas internacionalistas - assim a tornar inútil qualquer plano traçado sobre mapas que os estrangeiros pouco compreendiam. Os russos discordam entre si, o comandante francês diverge dos russos, e assim por diante, nas oscilações da política. 



 

     O fato é que o ataque não pode mais ser cancelado. A inércia das operações de guerra - deslocamento de tropas, de veículos blindados, de pistas para a aviação, etc - requer longo preparo e logística, em ação cronometrada. Mas Andrés tem uma ajuda, quando a figura do jornalista russo Karkov (lembrado nos flashbacks do americano) aparece para interferir junto ao comando brigadista e liberar o despacho de Jordan. Andrés pode assim seguir até ao comandante Golz, sem a interferência de mais comissários. outro general tenta cancelar a ofensiva republicana, mas é tarde demais, e então o ataque se inicia.


     A ação frenética vem fechar o livro que estendeu três dias de missão e paixão em quarenta capítulos. Tudo se precipita para o fim - na escrita ágil de Hemingway - pois as ordens devem ser cumpridas a qualquer custo. Robert Jordan e os guerrilheiros seguem para matar os guardas e dinamitar a ponte. Com a explosão da estrutura, o guia de Jordan é atingido e morre. Outros guerrilheiros são feridos no tiroteio. Outros conseguem alcançar os cavalos e fugir. Sendo o último da fila indiana, Jordan é atingido por disparos de blindados e tem a perna quebrada sob o peso do cavalo abatido. O que fazer? Se render? Nunca. Antes de morrer - após desesperada despedida de Maria - Robert Jordan precisa alcança forças para abater alguns guardas fascistas que se aproximam. É hora de pagar com a vida o preço do idealismo.


jul/ago/16


Leonardo de Magalhaens



mais info em
https://en.wikipedia.org/wiki/For_Whom_the_Bell_Tolls
http://meialua.gamehall.uol.com.br/por-quem-os-sinos-dobram-resenha-do-livro/



fotos de E. Hemingway [by Robert Capa]
https://pro.magnumphotos.com/C.aspx?VP3=SearchResult_VPage&STID=2TYRYDGO4PBQ


livro on-line em

http://pdbooks.ca/books/english/authors/hemingway-ernest/for-whom-the-bell-tolls/1.html



filme baseado no livro

For whom the bell tolls [1943]
diretor Sam Wood

http://www.imdb.com/title/tt0035896/

http://cinemalivre.net/filme_por_quem_os_sinos_dobram_1943.php


filme sobre a guerra civil espanhola
que mescla realismo e fantasia:
O Labirinto do Fauno [Mex, 2006]
de Guilhermo Del Toro
http://www.imdb.com/title/tt0457430/

https://www.youtube.com/watch?v=0A9TEbbPfik











Referências


HEMINGWAY, Ernest. Por quem os sinos dobram. [For whom the bell tolls] Trad. Luis Paeze. 12ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.




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