sobre
A Montanha Mágica [Der Zauberberg] 1924
do
escritor alemão Thomas Mann [1875-1955]
Um
duelo de ideias e ideologias nas alturas
parte 1
Os eventos da narrativa acontecem em
fins do século 19 e aurora do século 20, em plena Belle Époque,
assim como as memórias de Em Busca do Tempo Perdido, de
Marcel Proust, e Ulisses, de James Joyce, quando a Europa
ainda debatia em retórica as ideologias que passaria a defender nos
campos de batalha. Ainda os arautos do Iluminismo, da economia
liberal burguesa, contra os dogmáticos do controle, da repressão,
da moralidade religiosa.
Encontramos o jovem Hans Castorp numa
viagem de trem até as alturas do Alpes suíços, a sofrer com a
melancolia das mudanças de rotina, assim como sofria o jovem Marcel,
nas viagens com a avó, no Em Busca, rumo a estação gélida
de uma pequena aldeia, onde deve se encontrar com seu primo Joachim
Ziemssen, para rumarem junto para o Sanatório Berghof, naquelas
paisagens desoladas das altas altitudes. Enquanto trocam saudações
e cordialidades, o primo Castorp percebe o visível restabelecimento
físico do primo Ziemssen, que se dedica à carreira militar.
Acompanhamos a recepção na portaria
do sanatório, onde o quarto 34 é reservado para Castorp, que se
inquieta com o ambiente hospitalar, asséptico, onde até uma tosse
prolongada e profunda pode ser uma perturbação. Logo, o
recém-chegado perceberá a singularidade do local e do tempo neste
ambiente de repouso e de recuperação. Um local isolado, no clima
gélido, no alto da montanha, onde a vida passa com certa lentidão,
como diz o primo Joachim, "Três semanas são como um dia para
eles." [Drei Wochen sind wie ein Tag vor Ihnen.]
No restaurante, durante o jantar,
entre os primos as pitadas de humor e de desassossego, com um breve
desabafo de Ziemsssen, que não fosse devido ao diagnóstico de
tuberculose não estaria ali, tão jovem, entre aposentados e
agonizantes. "Em geral, [o tempo] não passa, não há tempo, e
não há vida, realmente não há". Logo, Castorp é apresentado
ao Dr. Krokowski, autoridade local. A primeira pergunta do doutor é
sobre a condição do jovem, se visitante ou paciente. Será Castorp
um doente? Afinal, o doutor não crê numa saúde plena. Depois, um
merecido repouso, seguem-se sonhos num quarto de sanatório.
No capítulo seguinte, há um
flashback com imagens da vida de Castorp na planície, na
cidade portuária de Hamburgo, na região norte da Alemanha. Após a
perda da mãe e do pai, Hans encontrava-se sob os cuidados de seu avô
paterno Hans Lorenz Castorp, cidadão pleno de seriedade e
tradicionalismo, um senador, uma figura pública. Hans lembra-se do
velório do avô, e a meditar, diante da morte, um vencedor ou um
vencido? Os dois aspectos da morte, a solenidade ostentada e a
decomposição ocultada. Hans lembra-se da morte do pai, ao ver o avô
morto.
Depois de mais uma morte na família,
Hans, o jovem, vai para a casa dos Tienappel, parentes da mãe.
Sabemos mais sobre a juventude de Hans, seu ambiente, suas dúvidas e
hesitações, sua mediocridade. Não que o Narrador o despreze, a
saber que o protagonista não é gênio nem idiota, mas vive como
todos vivem na vida mediana, sem novidades ou aventuras. Ou seja,
Hans é um jovem sem excentricidades, mas com certa curiosidade, e
alguma capacidade de ouvir. O que ele não sabe, ele certamente pode
aprender. Seu destino não é somente individual, pois o transcende,
ele enquanto representante daquela juventude que se perdeu na
Primeira Guerra Mundial (como já percebemos na vida e morte
do nobre e militar Robert de Saint-Loup no Em Busca).
Hans, o moço de família
tradicional, seguiria as tendências conservadoras do avô? Ou seria
mais um democrata? Ou se inclinaria para os radicalismos - de
esquerda ou de direita? Ou seria audacioso igual aos americanos,
empreendedores em negócios e lucros? Hans decidira-se pela
Engenharia naval, mas os estudos acabam por esgotá-lo. Seu médico,
o Dr. Heidekind, vem aconselhá-lo a passar um tempo, em descanso,
nas montanhas. Por isso Hans vai visitar o primo Ziemssen. É um
outro ambiente, aquele das alturas. Após sonhso perturbadores, o
despertar. Suas primeiras observações no mundo do sanatório. Lá
uma mulher de aspecto sombrio, e um casal de russos, um tanto
indiscreto. A irritação de Hans com a luxúria dos russos, num
local de repouso e agonia.
No café da manhã, Hans Castorp tem
mais informações sobre a mulher de aspecto sombrio, além do que o
primo o apresenta aos outros internados. Os companheiros de mesa na
sala do refeitório, que será o cenário de episódios cômicos e
sinistros. Hans é apresentado ao Dr. Behrens, outra autoridade
médica local. Quando o Dr. Behrens diz a Hans que o jovem não está
saudável, mas anêmico, Hans diz ao primo, "Vou aceitar e fazer
como ele disse, e adotar o teu estilo de vida, - o que mais eu
deveria fazer aqui em cima junto a vocês..." (p.70) Mas não
de todo, pois Hans tem grande prazer ao fumar - um hábito que deverá
abandonar caso tenha insuficiẽncias respiratórias... Enquanto, o
jovem compartilha impressões sobre o Dr. Behrens, há uma
brincadeira de mau gosto por parte da 'turma' do pneumotórax, que
provoca hilaridade com um ruído deveras inconveniente. Hans prefere
uma postura solene diante da morte, e no trato com os mortos.
Há alguns deslizes de comunicação
entre os primos, por diferença de ambiente. Uma dificuldade de
compreensão, de transmitir uma percepção de realidade. Hans não
presta muita atenção quando seu primo lohe aponta, e nomeia, os
cumes alpinos, em Davos-Dorf. O jovem não compreende, não vivencia
a realidade do outro, não compartilha sua perspectiva. Ele sente-se
o visitante, o forasteiro, o estrangeiro, deslocado na pátria do
outro, um ser da planície no ar rarefeito das montanhas.
Então, aparece a figura do professor
italiano Signore Lodovico Settembrini. É ousado, gracioso,
não exatamente elegante, mas algo de nobre, numa mescla de desalinho
e graça, e Hans pensa logo nos músicos tocadores de realejo. Há
muita ironia e malícia no Sr. Settembrini, mas ele é inofensivo,
trata-se de um pedagogo. Ele é moderno e clássico, a elogiar o
progresso e o poeta Virgílio, a se empolgar com as presenças
femininas. Sua jovial mordacidade tem algo de socrática, de provocar
para fazer pensar, mesmo quando em ataques retóricos ao ambiente do
sanatório e os 'bons' médicos, que lucram com a doença alheia.
Settembrini relaciona a malícia com
um certo 'espírito crítico' necessário ao pensador rumo ao
esclarecimento. Aqui no sentido de Iluminismo mesmo (Aufklärung,
Enlightment) como um combate contra as trevas da ignorância. É
que Settembrini pretende ter um novo ouvinte-aluno: o próprio Hans.
"Pois não se deve tirar os humanistas de sua função
educadora." [Man soll dem Humanisten das Amt der Erziehung
nicht nehmen. p. 94] No
mais, o literato elogia a escolha do engenheiro, pois a técnica é
necessária e difícil. Hans se deixa seduzir pela retótica
sardônica do italiano. O jovem visitante evita julgar as pessoas,
mas para o professor trata-se apenas de apatia, pois deve-se julgar.
Enquanto as 'aulas' com Settembrini
não se iniciam, Hans é deixado em sua solidão na montanha, onde a
passagem do tempo é deveras diversa da planície, onde mil afazeres
impedem a contemplação e o pensamento. O tempo parece passar de
acordo com nossa percepção, parece demorar, quando julgamos
demorar, e passa rapidamente quando percebemos que é curto. O que é
o tempo? Was ist denn die Zeit? Como pode ser o tempo
mensurável se não passa de forma uniforme? Para a consciência
humana o tempo é relativo. Nossas medições não passam de meras
convenções... Quando sofremos, o tempo demora passar, e quando nos
divertimos, ele é célere. A dor dura, o prazer é efêmero.
O tempo absolutamente não tem
qualidade própria. Quando nos parece longo, é longo, e quando nos
parece curto, é curto, mas ninguém sabe o quanto é longo ou curto
em sua realidade. [Die Zeit ist doch überhaupt nicht
'eigentlich'. Ween sie einem lang vorkommt, so isto die lang, und
wenn sie einem kurz vorkommt, so ist sie kurz, aber wie lang oder
kurz sie in Wirklichkeit ist, das weiss doch niemand." p.
96.]
Em seu novo mundo na 'montanha
mágica', Hans logo se adapta aos momentos de repouso, de refeição
e de passeio. Em passeio pelo centro comercial, ele em considerações
sobre o corpo e alma, sobre o ambiente e a percepção. De volta ao
refeitório, ele descobre quem é a pessoa responsável pela porta
que se fecha com estrondo, uma jovem russa, a Madama Chauchat. Ela o
irrita, mas ao mesmo tempo o fascina. É como se ele a conhece de
algum lugar... Enquanto se entregas às suas meditações, o jovem
descobre preocupações hipocondríacas, a imaginar-se realmente com
alguma doença.
Hans até pensa em ir-se logo embora,
mas vai-se envolvendo com o ambiente do sanatório, com os
companheiros de mesa, que sempre organizam alegres reuniões para
depois do jantar. Diante do cansaço e da melancolia, de Hans, até o
prof. Settembrini sugere que o jovem vá logo embora, para sua vida
na planície, onde as percepções são outras. Mas Castorp demonstra
sua coragem, mesmo a conviver agora com cochilos tensos, noites de
insônia, incômodos com vizinhos de quarto, sonhos agitados, que o
deixam cabisbaixo, sem confiar nos próprios sentidos.
Terceiro dia no sanatório. Há uma
mudança climática, mesmo sendo pleno verão, quando se precipita
uma nevasca. Parece que não há propriamente estações ali nas
alturas. é preciso comprar mais cobertores, e os primos descem até
a aldeia. Na volta, eles encontram o Sr. Settembrini, a lamentar o
frio repentino e os princípios de disciplina e regime. O professor
italiano relembra o pai, um erudito de Pádua, que amava o calor, o
clima tépido de seu gabinete. No mais, Settembrini mostra-se
aborrecido com sua estada ali, cativo de seu tratamento. Hans
concorda que é um dilema estar cercado pela doença e pela
ignorância, quando a doença ainda é digna de reverência, mas a
ignorância não se sabe se é para rir ou para chorar.
Já o professor Settembrini não
percebe a doença como algo nobre, digno de reverência, mas, ao
contrário, uma debilidade que traz a indignidade, sendo para a
condição humana uma humilhação. E o humanista italiano se lembra
dos grandes artistas acometidos por doenças, e que são obrigados a
criar em condições de enfermidade, quando a alma está rebaixada
pelo estado doentio do corpo. Mas é de se pensar se as debilidades
não são um incentivo para a superação do artista. Se o poeta não
fosse um doentio, um tuberculoso, em repouso e solidão, teria ainda
assim criado a obra? Se fosse um jovem robusto e sensual, dado aos
prazeres, teria tempo para meditar e criar tudo o que escreveu? Mas
para Settembrini qualquer exaltação da doença é coisa de seres
mórbidos.
À tarde, com os novos cobertores,
Hans abandona-se ao repouso. O narrador segue em considerações
sobre o hábito e o fluir do tempo; a monotonia da rotina parece
retardar o tempo e situações novas e interessantes parecem
acelerá-lo. Mas, na memória, o processo é outro: os períodos de
monotonia, não marcados, destacados, não constituem lembranças, e
assim abreviados. Já os períodos de interesse, que deixam
lemranças, conferem amplitude e densidade ao curso do tempo. "Os
anos plenos de acontecimentos passam mais devagar do que aqueles
outros, pobres, vazios, leves, que são soprados pelo vento e se vão
voando." ["ereignisreiche Jahre viel langsamer vergehen
als jene arme, leeren, leichten, die der Wind vor sich her bläst,
und die verfliegen." pp. 145-146] A rotina traz a monotonia,
que traz o tédio. E assim tempos se passam sem que percebamos.
"O assim chamado Tédio é uma
brevidade doentia do tempo por causa da monotonia: os grandes lapsos
de tempo se contraem em inquebrável homogeneidade, que causam ao
coração um susto mortal; quando um dia é igual a todos, todos são
como um, passada numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria
vivida como muito breve e passaria de súbito." ["Was
man Langweile nennt, ist also eigentlich vielmehr eine krankhafte
Kurzweiligkeit der Zeit infolge vor Monotonie: grosse Zeiträume
schumpfen bei ununterbrocherer Gleichförmigkeit auf eine das Herz zu
Tode erschreckende Weise zusammen; wenn ein Tag wie alle ist, so sind
sie alle wie einer; und bei vollkommener Einförmigkeit würde das
längste Leben als ganz kurz erlebt werden und unversehens verflogen
sein." p. 146]
Ainda se adaptando a nova vida social
no sanatório, Hans tenta uma conversa em francẽs com uma senhora
mexicana, cujos os dois filhos são pacientes no hospital. Hans
comenta com Joachim que prefere situações solenes e até tristes do
que festas e alvoroços. Pouco solene é Settembrini, que se atrasa
para o concerto de domingo, e esclarece a Castorp não seguir
formalismos, sendo mais estimável sua liberdade, ou o que resta
dela. No mais, o italiano não é tão fã de música, que considera
até 'politicamente suspeita' [Politisch verdächtig!], uma
vez que pode despertar paixões, ou entorpecer a razão. A música
tem natureza ambígua. Para o humanista, a literatura deve ter
proeminência.
Hans não se permite classificar as
Artes, assim como não disseca seus afetos, como aquele que dedicava
a um colega de colégio, o germano-eslavo Pribislav Hippe. Ele nutria
uma afeição pelo outro mesmo sem que este saiba. Algo de platônico,
ou altrupista. O desprendimento sem esperar reconhecimento e
recompensa - seja afetiva ou sensual. Mas por que lembrar-se do
colega Hippe agora? É que Hans observa a insolente Madame Chauchat,
a russa ruidosa, que muito lhe lembra o colega. É voltando ao
passado que ele pode compreender os afetos do presente? Algo de
psicanálise aqui - ainda mais na palestra do Dr. Krokowski - A força
amorosa, ora afeição, ora paixão sensual. Numa linguagem tanto
poética quanto erudita, num rigor científico e num tom vibrante de
hino. Quando a paixão é reprimida por pressões morais ela ainda se
manifesta, mas como sintomas. Eis uma exposição basicamente
freudiana.
Enquanto isso, Hans divagava a
observar a madame russa, a indagar de onde vem seu interesse pela
indiscreta figura. E o Dr. Krokowski prossegue a conclamar a favor de
uma 'dissecação das almas' [die Seelenzergliederung], ou
seja, a análise, com a 'iluminação do inconsciente' [die
Durchleuchtung des Unbewussten], sim, eis um discípulo de Freud.
O Dr. Krokowski parece se manter acima e além dos pacientes, como a
'analisá-los', mas o Dr. Behrens tem uma atitude participativa. Ele
também é um doente. Assim ele tem empatia com os que sofrem, por
experiência própria. Mas não deixa de ser um paradoxo um médico
enfermo, conhecedor e, ao mesmo tempo, debilitado. Como terá
autoridade, sendo ele mesmo um paciente?
A vida passa no sanatório e Hans
cada dia se adapta mais aos horários e aos comensais. A exasperação
pelos modos pouco discretos da madame Chauchat torna-se afeição?
Ele se angustia com a demora, ou ausência, dela. E Hans não é
ator o suficiente para dissimular seus sentimentos. E todos percebem,
não há como ter privacidade ali na montanha. O tempo passa, este
grande enigma, e Hans deseja se fazer notar pela russa, com olhares e
gestos. Clawdia Chauchat enfim percebe e se abstém de suas
conhecidas inconveniências. Por mais que reprove muitos hábitos em
Clawdia, Hans se interessa por ela, mesmo que pouco assuma para si
mesmo. Ele considera tudo uma 'aventura de férias'. Ainda nem se
completaram duas semanas no sanatório, no alto da 'montanha mágica',
e o jovem Hans, de quase 24 primaveras, considera estar ali a muito
mais tempo, a ponto de julgar a vida da planície como anormal.
No mais, o jovem precisa de
autoridade, de uma figura paterna, que a ele sempre fizera falta,
passando de avô a tutor, sem se adaptar as ausências, perdas tão
precocemente sentidas. Ali na montanha haviam os doutores, o médico
do físico, o Dr. Behrens, e o médico da mente, o Dr. Krokowski, e
aparecera o pedagogo Settembrini, animado para encontrar um
discípulo. No mais, o italiano narra a história de seu avô
Giuseppe, rebelde e patriota, que atuou na 'primavera dos povos', nos
idos de 1830-1848, inconformado com a tirania sobre a Itália
desunida. Hans contrapõe a figura do antepassado italiano a figura
de seu avô Hans Lorenz Castorp, também inconformado com o tempo em
que viveu, mas por homenagem ao passado, por nostalgia.
Realmente, os dois avôs se
distanciam da vida presente. O italiano era progressista, olhava para
o futuro, enquanto o alemão era conservador, e idolatrava a paz
social do passado - que, sabemos, não havia. Daí Hans pensar nos
dois mundos, deslocados, em dois pontos cardeais. Afinal, Hans tem
algo de conservador, igual ao avô, enquanto Settembrini é deveras
progressista, tal o avô italiano. O pedagogo elogia o progresso
técnico desde que este propicie o contato entre os povos, levando-os
assim a romperem com os preconceitos e a estabelecerem acordos de
convivência e cooperação. Settembrini crê no 'aperfeiçoamento
moral' dos grupos humanos, das trevas da ignorância e da superstição
rumo a consciência, a simpatia, e a 'união universal'. Ele elogia o
princípio da 'igualdade e da união', desde Cristo até sua
consolidação na Revolução Francesa, fruto dos ideais iluministas
do século 18.
Hans percebe estar a ouvir o Sr.
Settembrini também por uma 'ausência de responsabilidade', devido a
um 'sem compromisso', como estar em férias, distante da vida normal,
da 'ordem habitual'. Ele sente-se um turista, alguém apenas de
passagem. Ouve, assim, o italiano apenas como um entretenimento a
mais, para adquirir 'experiência'. E segundo Settembrini haviam
"dois princípios" que viviam a disputar a 'posse do
mundo', um de estagnação e outro de progresso, sendo
que o primeiro tem força, tirania, superstição, enquanto o segundo
tem liberdade, dirieito, ciência. Enquanto progressista, Settembrini
crê na vitória do progresso, da razão e da Iluminação
(Aufklärung). Ele justifica a ocupação da Ásia e da África
como esforços de 'homens de boa vontade' para a propagação do
progresso aos povos em 'estagnação'. Percebe-se que é uma visão
bem europocêntrica, que legitimou os avanços imperialistas do
século 19.
Settembrini exalta os humanistas,
dispostos a 'liberdade do pensamento', devotos do progresso e da
técnica, a ponto de considerar o titã Prometeu como o 'primeiro
humanista'. Aquele que roubou o fogo dos deuses para entregá-lo aos
humanos. Por isso, o professor desconfia de todas as forças
reacionárias, da literatura, da música, do dogmatismo religioso.
Settembrini declara ter se tornado um escritor livre, a combinar o
civismo do avô com o humanismo do pai, a associar vida literária e
pensamento político. É preciso se dedicar aos seres humanos, para
melhor o nível de vida, e assumir responsabilidades, sem tutores do
clero ou da tirania. Humanismo consiste em dignidade, respeito e
tolerância. Hans concorda com tudo, e deixa-se ouvir. É a força da
retórica.
Mas Hans, em sua terceira semana de
estadia em Davos, já antecipa seu retorno à planície, a sua vida
'normal'. No entanto, agrava-se o resfriado de Hans, que a Dra.
superiora diagnostica como 'cataro das vias respiratórias'. E o
status de Castorp começa a mudar com sua temperatura de 37,6
graus! É uma verdadeira agitação provocada pela novidade. O Dr.
Behrens é logo informado, e Hans tem uma consulta marcada. Enquanto
isso, após o almoço, Hans acompanha o exame médico em Joachim,
este sempre angustiado com o físico, diferentemente do jovem
engenheiro. Então é a hora de hans passar de visitante a paciente,
sob o exame do médico, a confirmar as suspeitas sobre a condição
'anêmica' do rapaz, com o dramático estado fragilizado de seus
pulmões.
Para Hans é recomendado o repouso, e
um tratamento que não será de um dia para o outro, mas de semanas!
Diante da decepção e espanto de Hans, o Dr. Behrens aconselha -o a
ter calma, pois impaciência apenas pode agravar os sintomas. De um
mero turista, agora Hans passa a compartilhar a condição de
enfermo, num mundo que se preparava para abandonar. Eis o ponto de
mudança do romance, quando o protagonista tem sua posição
alterada, de observador para paciente. Seu aprendizado não será
interrompido, ao contrário, somente agora progride com atenção e
participação. Em seu estado de doente, acamado, prostrado e
desanimado, Hans não poderá ver a realidade ao redor com
distanciamento jovial ou caprichoso, mas com compaixão e simpatia.
Os primeiros quatro capítulos do
romance é mero preâmbulo ao drama de dialéticas e contradições
que serão apresentadas ao jovem de quase 24 anos que deverá ter
opiniões próprias diante de oradores - ou pedagogos - tão
extremados. Ele, até então, tivera contato com Settembrini, mas
outro figurante adentrará a narrativa em breve, com outras
perspectivas e ideologias.
continua ...
mai
/ jun 16
by
Leonardo de Magalhaens
mais
info em
http://www.e-biografias.net/thomas_mann/
http://www.jornalopcao.com.br/colunas/imprensa/sergio-buarque-de-holanda-entrevista-thomas-mann-e-descobre-origem-brasileira-da-mae-do-autor-de-a-montanha-magica
https://felipepimenta.com/2013/10/02/resenha-de-a-montanha-magica-de-thomas-mann/
https://espectral.wordpress.com/2011/01/12/leituras-de-2011-thomas-mann-a-montanha-magica-1924/
http://antoniocicero.blogspot.com.br/2008/04/apresentao-de-montanha-mgica-de-thomas.html
http://www.ocampones.com/?p=6346
http://www.pmannia.com/2011/04/zauberberg-woodcuts-to-thomas-manns.html
original
Der Zauberberg em alemão
http://pdbooks.ca/books/deutsch/authors/thomas-mann/der-zauberberg/vorsatz.html
Referências
MANN,
Thomas. A Montanha Mágica. [Der Zauberberg] Trad.
Herbert Caro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. (Coleção 40
anos, 40 livros)
...
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